Visitando o Swami Rama Sadhaka Grama
 

Rishikesh - India

 “Recuperar o sentido da vida através da simplicidade”, seria para mim a melhor definição da missão desse ashram que tive a grata oportunidade de visitar em dezembro de 2011.
Eu não sabia muito bem o que esperar dessa experiência mas o que mais impressionou é que as informações mais básicas são exatamente as mais valiosas e urgentes. Na nossa condição “complicada” como membros de uma sociedade cheia de expectativas e cobranças não reconhecemos mais o valor do que é singelo e essencial. Estamos sempre em busca de mais, em busca de melhor, em busca de diferente, em busca de algo que não sabemos nem mais o que é pois nos desconectamos totalmente de nossa verdadeira natureza e da satisfação do existir.
Ao nos distanciarmos de nossa fonte original perdemos forças em buscas exteriores que só nos desapontam pois estas não nos nutrem verdadeiramente. Nos tornamos carentes de nosso espírito e acabamos sobrecarregando nosso corpo com artificialidades e vícios. Nos violentamos diariamente com pensamentos, palavras, atitudes, relacionamentos e alimentos tóxicos iludidos em supostos sonhos de consumo....
Mentes distorcidas se embaralham em relacionamentos fantasiosos e superficiais fazendo desmoronar qualquer valor intrínseco à verdade, à família,  ao amor altruísta e à satisfação de simplesmente ser e estar, de estar vivo e presente num universo do qual somos uma única e milagrosa peça.
A prática de yoga também acaba sofrendo as influências dessa degeneração do viver. Primeiramente porque muitos praticam yoga como uma ginástica, uma atividade física cuja principal finalidade é perder peso ou modelar o corpo. É um auto-engano achar que o esforço excessivo é o único caminho, afinal de contas nosso corpo nunca é exatamente como gostaríamos, principalmente no que depender da mídia em geral. As pessoas até se endividam, correm risco de vida e se mutilam para tentar alcançar um insaciável padrão de beleza e status.
Para outros praticantes mais conscientes dos fundamentos do yoga o desvio pode vir da necessidade de uma prática extremamente exigente enquanto que cada degrau até este nível não foi totalmente compreendido ou absorvido. É como se o yogue pulasse as etapas necessárias à sua evolução natural dentro da filosofia. Fases não só de cunho físico mas também mentais, já que ambas caminham juntas e no aspecto consciencional significam a mesma coisa.
Perdemos o encantamento do que é fácil e natural inclusive para praticar yoga. Nossa prática foi contaminada por nossa ansiedade e insatisfação e ao pararmos para observar não é difícil reconhecer sinais de pressa, necessidade de controle, auto-violência e auto-crítica sempre num padrão de cobrança por melhores “performances” ou rendimento. E isso é apenas um espelho do “sistema” no qual estamos vivendo.
Ter visitado esse ashram é ter compreendido a urgência de revertermos toda nossa filosofia de vida afim de nos salvarmos da escravidão e do sofrimento que pode ser viver hoje em dia.
Todo sofrimento nasce da ignorância. Ignorância de quem realmente somos. Nos confundimos com nossa aparência, com nosso trabalho, com nossas posses, relacionamentos, carências e com nossas histórias. Tudo se torna um drama quando visto sob o ponto de vista do ego, ou de alguém que pensamos ser...
Praticar yoga/meditar é olhar para dentro e redescobrir nossa originalidade, nela nos fortalecermos e relaxarmos cada vez mais, revelando nossos dons e virtudes, é dar sentido à vida colocando em prática o nosso melhor independente do resultado.
E é na prática de yoga que começa essa transformação da percepção de vida. Através do corpo vamos aprendendo a dominar os desejos e as distrações da mente forjando uma determinação interior praticamente inabalável, principalmente se a mesma for conciliada com uma atitude de relaxamento interior.
Iniciamos nossa prática no ashram simplesmente aprendendo a nos sentar e a respirar adequadamente. E surpreendentemente descobre-se a imensa diferença que estes dois atos básicos fazem no processo da meditação quando aprendidos meticulosamente.
A tradução da palavra ásana é assento, ou seja, o ásana (nesse caso o sentar) é a base de toda e qualquer meditação ou prática. Nos Yoga Sutra de Patañjali (escritura referencial dos conceitos do yoga)a definição de ásana é a de uma postura firme e confortável, ou seja, se não houver estabilidade e relaxamento não estamos falando da mesma prática. O relaxar em questão, inclui não só corpo físico e sua estrutura mas também a esfera mental, o que hoje em dia é um grande desafio. São tantos os estímulos e possibilidades que nossos sentidos e nossas mentes estão saturadas e extremamente insatisfeitas.
E então aprendemos a relaxar através da consciência corporal. Fomos treinados a nos perceber em qualquer circunstância e a identificar pontos de tensão pelo corpo, pois permanecer no ásana também faz parte de um processo, um processo de ajuste e relaxamento sempre em estado de centramento ou introspecção. Numa permanência construtiva estamos initerruptamente ajustando corpo, mente e respiração para que todos estejam fluindo como uma única fonte de energia, fonte de energia esta que representa nossa própria vitalidade.
Infelizmente nosso condicionamento cultural hoje nos faz erroneamente crer que somente através de um grande esforço ou somente pelo sofrimento seremos vencedores e tapas (calor ardente)que é um conceito original da disciplina do yoga, vem sendo considerado  como uma “superação” meramente física, fato que só tem reforçado a atitude de auto-violência em que já nos encontramos (na maioria das vezes sem perceber). No caso da permanência numa postura, uma linha tênue divide o que é presença, força e atitude relaxada do que é necessidade de controle, tensão e esforço excessivo. No primeiro caso estamos no caminho de mudar o padrão físico e mental para um estado harmonioso de avanço natural enquanto que no segundo caso estamos somente repetindo a rotina estressante e irriquieta sob a qual já vivemos.
O verdadeiro tapas vem de uma prática diária e regular, vem da vontade e da determinação de mudar nossos hábitos a cada nova chance de escolha. Purificar nossos pensamentos a cada instante, perceber diante de cada circunstância a oportunidade de sermos amorosos e felizes independente da situação. Tapas é uma força de ascese ou de profunda transfomação que se ativa no calor da resistência que encontramos dentro de nós. Resistência ao novo, ao não familiar, mudanças que nitidamente são para melhor mas que simplesmente não conseguimos realizar.
Assim, o ásana pode ser considerado como um dos fatores de transformação da consciência humana. Uma forma de modificar o padrão comportamental do praticante através de seu corpo e suas funções.
Indissolúvel do ásana/meditação está também a respiração. Considerada um dos pilares da prática de yoga dessa tradição a função respiratória foi o passo seguinte de nosso aprendizado.
O respirar nos mantém vivos e a qualidade de nossa vida é proporcional à qualidade da nossa respiração. Respirar adequadamente é se libertar de todas as tensões, é nutrir todo o organismo, é estabilizar nosso estado mental e emocional.
Nossa respiração está diretamente ligada ao nosso estado interior, seja ele tenso e preocupado ou seja ele agradável e pacífico. Uma respiração irregular e superficial alimenta um estado limitado de medo e depressão. Ao corrigirmos nossa respiração nos libertamos dos medos e apegos clarificando e ampliando a nossa disposição para a vida.
Seja durante um ásana ou durante a meditação a respiração deve ser sempre priorizada, sendo inclusive a condição para a realização da prática. A intenção desse treinamento é a reeducação respiratória do praticante, algo que permeie a vida do yogue se expandindo para além do momento da técnica.
Com a consciência corporal treinada para reconhecer pontos de tensão pelo corpo e relaxar completamente (processo acelerado pelo ásana e pela respiração) vamos aprimorando nossa prática de yoga a partir do momento que também percebemos que sem uma boa postura e sem saber relaxar não podemos respirar adequadamente. É como uma via de mão dupla, onde o corpo e a respiração ou o denso e o sutil se combinam trazendo o praticante à total integração com ele mesmo e também com o todo. O sentido da vida vem dessa percepção de estarmos em paz com nós mesmos e consequentemente  e naturalmente estarmos em paz com a vida e com o universo.

  • ÁSANA          
  • RELAXAMENTO  
  • RESPIRAÇÃO

A partir do momento que sincronizamos a capacidade de relaxamento à consciência corporal  e a respiração correta à uma inteção meditativa temos o quadro básico da tradição do Himalaya.
A pedra fundamental a partir da qual infinitos desdobramentos acontecem, sejam eles de cura ou revelação, levando nós praticantes a  assumir nosso próprio reino interior e nele descobrir o maior tesouro, nossa natureza mais autêntica, o verdadeiro sentido das nossas vidas.


 

Swami Rama Sadhaka Grama