POR QUE É TÃO DIFÍCIL MUDAR PARA MELHOR?
Um dos horários mais indicados para a prática de yoga segundo as referências literárias indianas é durante o Brahmamuhurta (o horário de Brahma). Esse período é de 48 minutos antes do nascer do sol e é considerado muito auspicioso para quem pratica nele, pois a vibração espiritual nessa hora é muito poderosa favorecendo as bênçãos e a orientação divina.
Só que acordar tão cedo enquanto vivemos em um ritmo frenético como o atual pode ser um grande desafio. Primeiro porque não estamos mais conectados ao ritmo da natureza, estamos vivendo em um mundo de artificialidades e estímulos excessivos que nos desnorteiam gerando graves desequilíbrios, sejam esses físicos, mentais ou emocionais o que quase que impossibilita a adoção de um ritmo organicamente constante.
Mas não se deixe desanimar se esse horário para você seja inviável por enquanto. Procure você mesmo escolher um momento do dia ou da noite que você possa estar presente e faça dele a sua referência de prática. Experimente talvez diferentes alternativas atentando para como você se sente antes e depois da prática e faça os ajustes necessários para manter a constância. E um dia, talvez, você resolva acordar antes do sol nascer para ver como é. Sem compromisso ou expectativa simplesmente experimente, talvez você se surpreenda em perceber como essa prática nessa hora tão especial faça você se sentir num estado de grande inspiração e poder. Inspiração, pois corpo e mente estarão despertando de forma saudável, com alto grau de vitalidade, e poder porque você superou toda a correnteza da mente que queria te manter num estado acomodado e auto-indulgente.
Criar um novo hábito em nossa vida ou se livrar um pode ser um longo processo. É natural sentir uma gigantesca onda de resistência à mudança e sua “própria” mente vai “boicotar” seus “próprios” planos....isso não é incrível?! As mais variadas desculpas vão surgir para que você não realize essa transformação. Essa parte da sua mente vai tentar te convencer de todas as formas possíveis a não mudar pois quando ensaiamos uma mudança profunda em nós mesmos parece que não mais seremos reconhecidos pelos outros e até por nós mesmos e nesse caso as possibilidades de auto-sabotagem são grandes.
Falando assim até parece que temos duas pessoas diferentes dentro de nós. O fato é que temos buddhi nossa parcela mental “superior” ou aquela mais próxima de nossa alma e também temos manas, nossa parcela mental mais próxima da matéria e dos órgãos dos sentidos. Quando manas está dominante (na maioria dos casos) somos facilmente seduzidos pelas distrações externas e pelos prazeres nos apegando ao aspecto fácil, confortável e agradável ao mesmo tempo em que fugimos ou resistimos ao aspecto que não nos agrada ou é mais rígido ou disciplinado. Manas é o aspecto mais “fraco” da mente suas escolhas se baseiam em hábitos ou impulsos e sem a influência de uma esfera mental mais evoluída essa mente sensório-motora fica extremamente suscetível às oscilações dos instintos e emoções. Vemos portanto que um cenário de conflito é muito fácil de se perpetuar dentro de nós: uma parte quer avançar rumo ao mais saudável e harmonioso enquanto que a outra parte tende aos mesmos condicionamentos de sempre mesmo que estes estejam te prejudicando.
Um conflito significa que você não tem poder de decisão pois na hora de tomar uma atitude de mudança (e esse momento geralmente é muito rápido) você não pode escolher. Mais tarde, esse conflito que não sai da sua mente, se torna fonte de sofrimento.
Esta poderia ser uma boa explicação para nossa dificuldade em mudar, mesmo que seja para melhor. Mudar implica em quebra de condicionamentos o que nunca é facilmente aceito pelo nosso ego que resiste ao desconhecido, mesmo que este seja nitidamente mais benéfico...
Tapas* é o controle dos sentidos, é saber dizer não a si mesmo e assim fortalecer buddhi seu mais alto discernimento, aquele poder decisório que não vem do ego ou dos órgãos dos sentidos e sim da sua consciência elevada, aquela que é livre e só é favorável a você, basta que você dê espaço para que ela se manifeste. O uso de tapas faz parte da prática do yoga no sentido de forjar nossa força de vontade apurando a conexão com nossa essência independente de todas as tentações que podem e irão nos distrair sob o disfarce do prazer ou do habitual. O que se deve manter em mente é que o prazer obtido pelos órgãos dos sentidos é temporário e dependendo do caso gerador angústia e sofrimento logo após sua consumação. Esse é um tipo de prazer ilusório do qual muitos são escravos vivendo em incessante conflito. Já a satisfação de se manter no caminho da alma, buscando o que é saudável e benéfico é imensamente maior e duradouro já que representa uma reforma interna de repercussão insondável.
Na sua trajetória de prática ou de transformação aposte no prazer de estar trilhando o caminho que seu mais alto discernimento escolheu, o caminho do coração ou do Guru, sua voz interior. Atitude firme e disciplinada num mundo de muitas fantasias e enganos é o teste do praticante de yoga hoje. Procure manter-se presente e consciente dos movimentos da sua mente através da meditação e o processo então será extremamente esclarecedor.
*tapas: ver texto de referência na sessão dos Sutras de Patanjali